domingo, 17 de junho de 2012

A forma de financiamento que temos condena as nossas eleições à proximidade com o escândalo

O juiz eleitoral Márlon Reis foi um dos idealizadores e redatores da Lei da Ficha Limpa, além de fundador do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE). Agora, ele empreende nova batalha. No último dia 9 de maio, Reis baixou um provimento na 58ª Zona Eleitoral do Maranhão, da qual é juiz titular, que tem competência sobre os municípios de João Lisboa, Buritirana e Senador La Rocque. A norma determina que os candidatos nas eleições deste ano nas três cidades terão que entregar à Justiça Eleitoral nos dias 6 de agosto e 6 de setembro uma relação dos nomes dos doadores e os valores doados.
Assim, Reis contesta legislação eleitoral vigente no país, que determina sigilo sobre as doações de campanha, informação que só é revelada após o pleito, na prestação de contas final. “Quem financia as campanhas? A verdade é que os eleitores vão votar às cegas, sem saber se são empresas, por exemplo, que lesam o meio-ambiente, que promovem o trabalho escravo, que praticam a corrupção. Isto é muito grave”, alerta o magistrado, que revela que movimentos sociais já se organizam para que o provimento dele se espalhe pelo país.
Em conversa por telefone com o Sul21, Márlon Reis também falou sobre a reforma política por iniciativa popular que o MCCE está levando a cabo com outros movimentos e criticou duramente o atual modelo de financiamento de campanhas. O juiz eleitoral contou ainda quais são suas expectativas com a aplicação da Ficha Limpa, que ocorrerá pela primeira vez nas eleições municipais deste ano.

Sul21 – O senhor recentemente tomou uma medida na zona eleitoral em que trabalha para que as doações de campanha sejam divulgadas antes do dia eleição. Qual a importância desta medida?
Márlon Reis – Todos nós brasileiros vamos votar às cegas. Um dos dados mais importantes da campanha é quem financia, porque quem dá suporte financeiro à campanha vai ter uma ascendência sobre o mandato. Seria irrazoável crer o contrário. Quem financia as campanhas? A verdade é que os eleitores vão votar às cegas, sem saber se são empresas, por exemplo, que lesam o meio-ambiente, que promovem o trabalho escravo, que praticam a corrupção. Isto é fundamental para o eleitor. Entendemos que, seja porque há uma lesão expressa ao princípio constitucional da publicidade, ou porque colide com o novo espírito legislativo introduzido pela Lei de Acesso à Informação, estas normas que garantem o segredo dos nomes dos doadores das campanhas não podem prevalecer.

Sul21 – Existem normas neste sentido?
Márlon Reis – Por incrível que pareça, o artigo 28, parágrafo 4º, da Lei das Eleições diz que o nome dos doadores só pode ser revelado depois do pleito. É incrível, mas nós chegamos a 2012 com uma norma desta característica no nosso Direito Eleitoral. Por isto é que este assunto, quem está financiando quem, não vem à baila durante as eleições. Depois é que as entidades fazem pesquisa para ver quem financiou, mas isto é sempre em relação ao passado. Durante a campanha mesmo, esta informação não está socialmente disponível. Isto é muito grave. Significa que os eleitores votam sem saber exatamente em quem, porque os doadores representam grande parte da inclinação do mandato.

Sul21 – Existe algum movimento para espalhar este provimento pelo país?
Márlon Reis – Várias organizações da sociedade civil, especialmente em São Paulo, estão difundindo o provimento, comunicando a juízes e solicitando que adotem. Eu tenho notícia de um caso em que foi baixado provimento similar, na cidade de Pedro Afonso, em Tocantins. É incrível que isto nunca tenha sido questionado no Brasil. Fico muito surpreso com a falta de atividade das instituições e da própria sociedade, de não se queixar desta verdadeira armadilha legislativa que está estabelecida.

Sul21 – Como o senhor analisa a posição do TSE?
Márlon Reis – Acho que se o TSE for indagado, não há como ele afirmar que os candidatos têm direito de manter em segredo os nomes de seus doadores. Acho que está faltando uma discussão disto no âmbito do TSE. Se esta discussão acontecer, tenho certeza que vai mudar, até por que temos observado uma marcha forte da Justiça Eleitoral, e aí eu destaco o TSE, no sentido de aprimoramento da aplicação da lei. O que a gente observa é um aumento do rigor. Me parece que apenas este detalhe não está sendo observado. O caso é que é um detalhe grave. Precisamos que receba a devida resposta dos órgãos da Justiça Eleitoral.

Sul21 – O MCCE tem um projeto de reforma política de iniciativa popular junto com outras entidades que prevê o fim do financiamento privado. Como o senhor analisa o financiamento privado? Porque ele deve acabar?
Márlon Reis – Na verdade, existe uma campanha, mas o projeto ainda não foi redigido. Ainda não sabemos exatamente como poderia se desenhar o financiamento cidadão, o financiamento público. Existem muitas alternativas. O que a gente não pode tolerar é o que temos hoje. A forma de financiamento que temos condena as nossas eleições à proximidade com o escândalo.
É a forma de financiamento que torna nossas vizinhas do escândalo. Ela aproxima forçosamente os candidatos da obtenção de recursos ilícitos, já que ganha quem tem mais dinheiro para pagar cabos e agentes eleitorais. Esta mercantilização da campanha precisa acabar, mas a forma específica de desenhar o padrão de financiamento ainda precisamos fazer no âmbito do movimento. Estamos propondo o fim do financiamento que temos aí, mas o desenho exato falta definir.

Sul21 – Como está a coleta de assinaturas para a reforma política? O senhor tem acompanhado isto?
Márlon Reis – Na verdade, nós apoiamos uma série de bandeiras apresentadas pela Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma Política, mas o MCCE continua debruçado sobre a vigência da Ficha Limpa, porque apesar da declaração de constitucionalidade, agora os advogados estão naquela fase de tentar encontrar pontos fracos na lei. Então, estamos muito concentrados ainda nisto, por isto não temos acompanhado mais de perto os passos da mobilização pela reforma política, embora seja uma prioridade. Estamos sabendo esperar para no seguinte momento a gente cair em campo nisto.

Sul21 – Além da corrupção, o financiamento privado também causa uma elitização da política, não? Não é ele o responsável por termos muito mais empresários e produtores rurais no Congresso que na sociedade?
Márlon Reis – O financiamento privado da forma como é hoje não tem limite. Não há um limite definido em lei, e as empresas também podem doar sem limites, só depende do tanto que elas recebem, já que a limitação é percentual. Então, empresas multibilionárias podem doar bilhões. Isto significa que a eleição é privatizada. Ganha quem tem mais dinheiro. Precisamos, sim, encontrar novos padrões de financiamento que diminuam os custos das campanhas e, em decorrência disto, a possibilidade de que todos disputem em condições de igualdade.

Sul21 – Como o senhor tem visto a reforma política no Congresso? O relator, deputado Henrique Fontana (PT-RS), não tem conseguido colocar em votação.
Márlon Reis – A reforma política não sairá do Congresso. No máximo, sairão mínimas e cosméticas mudanças pontuais, sem capacidade de transformação real do quadro que temos. É por isto que a sociedade precisa se mobilizar e fazer uma reforma política de baixo para cima. Nós acreditamos que isto vai acontecer. É só uma questão de tempo para os movimentos se organizarem e discutirem uma linha comum. Nós não acreditamos no Congresso como ponto de partida de uma reforma política nos termos em que precisa acontecer.

Sul21 – A Ficha Limpa era algo menos denso do que a reforma política.
Márlon Reis – Era menos denso e, mesmo assim, teve toda aquela dificuldade de aprovação.

Sul21 – O senhor não acha que a reforma política por iniciativa popular deve ter mais dificuldades que a Ficha Limpa?
Márlon Reis – Depende. Acho que temos que encontrar um elo, um ponto de ligação entre os movimentos sociais. Na medida em que ele for encontrado, será capaz de deflagrar que tenho certeza que será maior que o da Ficha Limpa, justamente por atingir mais, por ir mais longe. A sociedade não aceita mais o quadro atual. Qualquer reforma que torne mais igualitárias as chances de disputa e elimine o caixa dois e a corrupção nas eleições vai ter adesão massiva da sociedade brasileira. Especialmente por causa do exemplo dado pela Ficha Limpa, que foi um divisor de águas.

Sul21 – As eleições deste ano serão as primeiras em que, de fato, será a aplicada a Lei da Ficha Limpa. Quais são suas expectativas?
Márlon Reis – A expectativa é a melhor possível. Há dois fatores que me fazem estar otimista com relação à plena aplicação da lei. Um é a origem popular da lei, que está acarretando a fiscalização popular da sua aplicação. Os movimentos sociais em todo o país estão acompanhando de perto cada passo da aplicação. Durante as eleições isto vai ficar ainda mais evidente. Qualquer tentativa de fraudar esta lei, como, por exemplo, através de mudanças no Congresso, será rechaçada pela sociedade. Outro elemento que me faz ser otimista é a bela receptividade desta lei na Justiça Eleitoral. Os tribunais eleitorais não têm nenhuma resistência. Pelo contrário: apoiaram desde o início a aprovação da lei e estão esperando agora para aplicá-la.

Fonte: Sul 21

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